Weber inicia este capítulo elegendo como “pretensiosa” a expressão usada por ele para designar o verdadeiro Ethos do Capitalismo, o chamado “Espírito do Capitalismo”, termo este que encontra um forte significado cultural. Discorrer sobre este tema significa desenvolver uma “explanação histórica”, sem se fechar sobre uma formulação conceitual, mas somente iniciar uma descrição provisória sobre seu objeto de estudo neste caso. Adverte ainda que sua intenção inicial é de se manifestar com tranqüilidade a respeito de qualquer idéia religiosa, ficando livre de preconceitos ( p.29).
A partir da citação de sentenças proferidas por B. Franklin apresenta o que seria para ele o núcleo do Ethos do capitalismo, idéia original, que se diferencia como sendo a “qualidade” de interesse de sua obra, diferentemente de um mero “bom senso comercial”. Consegue distinguir este modo de ser e viver, pelo comprometimento na vivência de virtudes que levam ao grau de uma perfeição na honestidade e na prosperidade econômica dos pietistas. “Ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto for feito legalmente, o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação: e estas virtude e eficiência são, como não é difícil de ver agora, os verdadeiros Alfa e Ômega da ética de Franklin(...)”(p.33). Discorrendo historicamente sobre o assunto Weber demonstra que a “avidez pelo ouro” sempre existiu no contexto das nações e épocas, sendo para ele, “tão velha quanto o homem” porém, esta mesma situação apresenta-se ultimamente de forma original, revestida de um novo caráter, o caráter racional que envolve a modernidade. Neste sentido, o oponente mais importante que o “Espírito do Capitalismo” como estilo normativo de vida tem que reagir, seria justamente o tradicionalismo econômico ligado a idéia da “necessidade de sobrevivência”e “aquisição( p.37 e 41). Para ilustrar esta situação, traz os exemplos de trabalhadores e trabalhadoras em diversos níveis e categorias e seus respectivos comportamentos em relação a salários e modos de trabalho. Um aspecto interessante a ser abordado, é a afirmação de que com as trabalhadoras metodistas “as oportunidades de superar o tradicionalismo aqui são muito grandes devido a educação religiosa. Esta observação do capitalismo contemporâneo sugere por si mesmo a validade da interrogação de como esta conexão de adaptabilidade do capitalismo a fatores religiosos pode ter surgido na época do seu desenvolvimento inicial”( p.40). Todas estas afirmações remetem a idéia de superação de um modelo aventureiro e sem base racional para uma concepção firme, sóbria, e ascética de um novo jeito de ser e experienciar a prosperidade econômica decorrentes da acumulação do capital. O tipo ideal não apresentará ostentação, evita as despesas desnecessárias e o gozo de uma vida de delicias. Ele encontra na “vocação” (trabalho) a forma de louvar e adorar a Deus sem perda de tempo. Mas o que teria feito germinar a noção de “vocação”como sentido para o trabalho ascético secular? Esta prefigura como uma das grandes perguntas de Weber neste capítulo. Diante da qual sugere e investiga inicialmente o caráter do racionalismo ofertado pelo desenvolvimento histórico, ao qual rejeita pelo fato da “história do racionalismo apresentar um desenvolvimento que absolutamente não segue linhas paralelas nos vários setores da vida”.(p.51) Desta forma finaliza o capitulo, afirmando que: “estamos aqui particularmente interessados na origem do elemento irracional que precisamente se apresenta nesta, como em toda concepção de Vocação”( p.51) o que de certa forma justifica sua investigação no capitulo V identificando a “ascese “ religiosa como elemento basilar desta nova forma normativa de vida.
Hélio Márcio Gonçalves da Silva
domingo, 9 de dezembro de 2007
Os caminhos e descaminhos da “acumulação racializada de oportunidades atribuídas ao mérito”. [1]
Deixar de debater um problema, ou ignorá-lo, jamais fará com que o mesmo possa ser sanado ou pelo menos combatido. Enfrentamos no Brasil, alguns problemas que ainda carecem de debates sérios e pontuais, que inobstantes estarem sendo feitos na Academia, precisam ser inseridos nas realidades diárias de todos nós. Falo aqui do debate sobre o racismo, o preconceito e a discriminação racial fortemente enraizados na sociedade brasileira e na maioria das vezes negado ou dissimulado. Daí surge à pergunta, onde as categorias acima descritas estão mais presentes? Lembro-me do slogan de uma campanha anti-racismo veiculada na televisão que perguntava: “Onde você guarda seu racismo?” A leitura e o conhecimento da pesquisa intitulada “Desigualdades Raciais no Brasil : um balanço da intervenção governamental” do IPEA [2] , sob a coordenação de Luciana Jaccoud e Nathalie Beghin nos mostra claramente onde estão os espaços de discriminação racial e nos coloca em sintonia com o debate sobre as políticas afirmativas no Brasil.
Admitir as discriminações e os preconceitos com relação ao elemento racial no Brasil nos remete a discussão primeiramente ao confronto com o “mito da democracia racial” . A idéia das “três raças” fundadoras da nação e do povo, que aprenderam a conviver harmoniosamente e em condições de igualdade. O texto, altamente elucidativo expõe os números da desigualdade, quais sejam: desigualdade de renda e pobreza, desigualdades e discriminação no mercado de trabalho, desigualdades e discriminação na educação, de onde “depreende-se, com clareza que parte significativa das desigualdades raciais entre brancos e negros no país está diretamente vinculada à discriminação racial vigente tanto na escola como no mercado de trabalho” (Jaccoud e Beghin, 2002).
Dos elementos e categorias expostos, penso que o Estado Brasileiro deve ser o propulsor de Políticas Públicas que venham de encontro a esta realidade gritante, tendo como fundamento basilar, a tão propalada noção de cidadania:
“A cidadania se constitui pela e na criação de espaço sociais de lutas ( movimentos sociais, movimentos populares e movimentos sindicais) e pela instituição de formas políticas de expressão permanentes ( partidos políticos, Estado de Direito, políticas econômicas e sociais) que criem, reconheçam e garantam a igualdade e liberdade dos cidadãos, declaradas sob a forma dos direitos. Em outras palavras, desde sua fundação, a democracia é inseparável da idéia de espaço público.” ( Chauí, 2001, p.12)
Num contexto social, cultural e econômico, onde a legislação coativa contra discriminação se mostra ineficiente no que diz respeito à inserção do negro no mundo do trabalho, relegando a essa população os “postos menos atraentes, mais servis do mercado de trabalho como um todo ou de um determinado ramo de atividade” (Gomes, 2001 apud Jaccoud e Beghin, 2002, p.41), quais seriam as saídas para essa deficiência? Como vislumbrar outros horizontes que não o da desigualdade?
E é neste espaço público que devemos trazer presente a realidade das Políticas Afirmativas e a suas contribuições na superação e combate das desigualdades raciais. Na medida em que a questão racial se impõe à agenda nacional, torna-se fundamental reconhecer que só se combate à desigualdade por diferentes frentes ( Jaccoud e Beghim, 2002, p.41), reativamente e pró – ativamente, ou seja, enfrentando diretamente e indiretamente a discriminação e o racismo na sociedade brasileira.
Outro fator que contribui para o debate em questão é a discordância e a contrariedade existente em alguns setores da sociedade brasileira, bem como na opinião de alguns intelectuais. Segundo Santos (1997) apud Jaccoud e Beghin (2002) é possível identificar alguns argumentos neste debate: a questão da isonomia, a idéia do mérito, o fator da pobreza e o elemento da miscigenação. Além do que é muito comum ainda ouvir vozes discordantes, argumentando que tais políticas aguçariam o conflito racial brasileiro. Enfim, os argumentos contrários devem e vem sendo rebatidos vigorosamente, demonstrando que somente tratando diferentemente os desiguais, é que se pode alcançar uma igualdade distributiva entre os grupos, rebatendo a idéia reducionista do mérito, que não reconhece a excelência que o país pode ganhar incluindo pessoas capazes( pretos e pardos) de desenvolver suas potencialidades, reconhecendo que independente da pobreza real que assola boa parte da população, os negros em razão de sua marginalização histórica e muitas vezes a baixa auto-estima não conseguirão avançar sem uma política especifica de inclusão racial, e por fim as Políticas Afirmativas ligadas a raça devem atingir tanto pretos como pardos pois os dados pesquisados revelam que os dois grupos sofrem dificuldades parecidas.
O debate sobre as Políticas Afirmativas e sua confirmação temporal se torna necessário até porque numa sociedade democrática, uma de suas características fundamentais, seria a compreensão de que “a criação dos direitos” só pode realmente existir na democracia, regime político aberto às mudanças temporais, que faz surgir o novo como parte de sua existência e consequentemente a temporalidade como seu modo de ser (Chauí, 2001, p.11).
Não podemos mais nos esquivar desse precioso e elucidativo debate nacional. Algumas situações, bem como algumas ações têm sido feitas e devem ser apoiadas pela sociedade (o caso das cotas universitárias, por exemplo) se queremos de fato estender a cidadania concreta (e não só de fábula) a nossa população negra, historicamente marginalizada.
O que nas palavras de Roberto DaMata (2001, p.47) se confirmam :
“Não se pode negar o mito. Mas o que se pode indicar é que o mito é precisamente isso: uma forma sutil de esconder uma sociedade que ainda não se sabe hierarquizada e dividida entre múltiplas possibilidades de classificação. Assim, o “racismo à brasileira”, paradoxalmente, torna a injustiça algo tolerável, e a diferença, uma questão de tempo e amor. Eis, numa cápsula, o segredo da fábula das três raças...”
Viver a ingenuidade, crer exclusivamente na eficiência de medidas coativas para superar a discriminação e a desigualdade racial no Brasil, “absolutizar” o mérito como única forma de acesso a bens e serviços públicos, é continuar a acreditar no famoso “Mito da Democracia Racial Brasileira” e no mínimo perpetuar a marginalização.
[1] Termo utilizado por Guimarães (1996) apud Jaccoud e Beghin (2002), p.53.
[2] Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
Admitir as discriminações e os preconceitos com relação ao elemento racial no Brasil nos remete a discussão primeiramente ao confronto com o “mito da democracia racial” . A idéia das “três raças” fundadoras da nação e do povo, que aprenderam a conviver harmoniosamente e em condições de igualdade. O texto, altamente elucidativo expõe os números da desigualdade, quais sejam: desigualdade de renda e pobreza, desigualdades e discriminação no mercado de trabalho, desigualdades e discriminação na educação, de onde “depreende-se, com clareza que parte significativa das desigualdades raciais entre brancos e negros no país está diretamente vinculada à discriminação racial vigente tanto na escola como no mercado de trabalho” (Jaccoud e Beghin, 2002).
Dos elementos e categorias expostos, penso que o Estado Brasileiro deve ser o propulsor de Políticas Públicas que venham de encontro a esta realidade gritante, tendo como fundamento basilar, a tão propalada noção de cidadania:
“A cidadania se constitui pela e na criação de espaço sociais de lutas ( movimentos sociais, movimentos populares e movimentos sindicais) e pela instituição de formas políticas de expressão permanentes ( partidos políticos, Estado de Direito, políticas econômicas e sociais) que criem, reconheçam e garantam a igualdade e liberdade dos cidadãos, declaradas sob a forma dos direitos. Em outras palavras, desde sua fundação, a democracia é inseparável da idéia de espaço público.” ( Chauí, 2001, p.12)
Num contexto social, cultural e econômico, onde a legislação coativa contra discriminação se mostra ineficiente no que diz respeito à inserção do negro no mundo do trabalho, relegando a essa população os “postos menos atraentes, mais servis do mercado de trabalho como um todo ou de um determinado ramo de atividade” (Gomes, 2001 apud Jaccoud e Beghin, 2002, p.41), quais seriam as saídas para essa deficiência? Como vislumbrar outros horizontes que não o da desigualdade?
E é neste espaço público que devemos trazer presente a realidade das Políticas Afirmativas e a suas contribuições na superação e combate das desigualdades raciais. Na medida em que a questão racial se impõe à agenda nacional, torna-se fundamental reconhecer que só se combate à desigualdade por diferentes frentes ( Jaccoud e Beghim, 2002, p.41), reativamente e pró – ativamente, ou seja, enfrentando diretamente e indiretamente a discriminação e o racismo na sociedade brasileira.
Outro fator que contribui para o debate em questão é a discordância e a contrariedade existente em alguns setores da sociedade brasileira, bem como na opinião de alguns intelectuais. Segundo Santos (1997) apud Jaccoud e Beghin (2002) é possível identificar alguns argumentos neste debate: a questão da isonomia, a idéia do mérito, o fator da pobreza e o elemento da miscigenação. Além do que é muito comum ainda ouvir vozes discordantes, argumentando que tais políticas aguçariam o conflito racial brasileiro. Enfim, os argumentos contrários devem e vem sendo rebatidos vigorosamente, demonstrando que somente tratando diferentemente os desiguais, é que se pode alcançar uma igualdade distributiva entre os grupos, rebatendo a idéia reducionista do mérito, que não reconhece a excelência que o país pode ganhar incluindo pessoas capazes( pretos e pardos) de desenvolver suas potencialidades, reconhecendo que independente da pobreza real que assola boa parte da população, os negros em razão de sua marginalização histórica e muitas vezes a baixa auto-estima não conseguirão avançar sem uma política especifica de inclusão racial, e por fim as Políticas Afirmativas ligadas a raça devem atingir tanto pretos como pardos pois os dados pesquisados revelam que os dois grupos sofrem dificuldades parecidas.
O debate sobre as Políticas Afirmativas e sua confirmação temporal se torna necessário até porque numa sociedade democrática, uma de suas características fundamentais, seria a compreensão de que “a criação dos direitos” só pode realmente existir na democracia, regime político aberto às mudanças temporais, que faz surgir o novo como parte de sua existência e consequentemente a temporalidade como seu modo de ser (Chauí, 2001, p.11).
Não podemos mais nos esquivar desse precioso e elucidativo debate nacional. Algumas situações, bem como algumas ações têm sido feitas e devem ser apoiadas pela sociedade (o caso das cotas universitárias, por exemplo) se queremos de fato estender a cidadania concreta (e não só de fábula) a nossa população negra, historicamente marginalizada.
O que nas palavras de Roberto DaMata (2001, p.47) se confirmam :
“Não se pode negar o mito. Mas o que se pode indicar é que o mito é precisamente isso: uma forma sutil de esconder uma sociedade que ainda não se sabe hierarquizada e dividida entre múltiplas possibilidades de classificação. Assim, o “racismo à brasileira”, paradoxalmente, torna a injustiça algo tolerável, e a diferença, uma questão de tempo e amor. Eis, numa cápsula, o segredo da fábula das três raças...”
Viver a ingenuidade, crer exclusivamente na eficiência de medidas coativas para superar a discriminação e a desigualdade racial no Brasil, “absolutizar” o mérito como única forma de acesso a bens e serviços públicos, é continuar a acreditar no famoso “Mito da Democracia Racial Brasileira” e no mínimo perpetuar a marginalização.
[1] Termo utilizado por Guimarães (1996) apud Jaccoud e Beghin (2002), p.53.
[2] Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
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